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laboratório

experimentos e reflexões para a poesia da escrita e do olhar livre 

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Ser mãe e ser filha


Sou filha e sou mãe


Como filha e como mãe muitas vezes deu vontade de fugir, para me ver caminhar com meus próprios passos aos meus traços, me sentir unida a mim mesmo, deixar-me fazer apenas com minhas vontades. Mas se fugir como filha, em meu caminho virá a imagem de minha mãe, daquela que pude provar meu primeiro alimento, certamente daquela que pude sentir o meu primeiro cheiro, o primeiro colo, o primeiro amor. Mas se fugir como mãe, virá a imagem de meu filho, daquele que me fez tornar-me mãe, de poder dar seu primeiro alimento, de oferecer meu cheiro, o meu colo, o meu amor incondicional. Deixarei aquele que pode me sentir inteiramente toda, que experimentou suas primeiras sensações assim como eu enquanto filha.


Como mãe e como filha já enlouqueci. Porque ao deixar-me valer por minha vontades, esqueci da força inaugural tanto daquela que sempre me abriu as portas, quanto daquele que me fez conhecer o amor que avança mais e mais. Enlouqueci porque foi preciso me buscar só! Mas só ninguém é feliz! E ao me ver perdida, sem limite e sem rumo, precisei voltar para aquela que me ensinou a ser livre e para aquele que veio me ensinar a ter limites.


Como mãe e como filha já adoeci. Desde cedo, me via independente dona de mim, mas na primeira febre de filha tive o cobertor de pele materna, a mãe pra me lembrar que o amor é capaz de curar. Quando mãe, não pude deixar-me esquecer dele, embora ardesse de febre, devia eu cuidar dele, dar sua comida e permanecer forte a ele que ainda precisa do tempo para se ver só e seguro.


Como filha já tive a última fatia do doce predileto, como mãe abdiquei de minha vontade para dar a ele. Como filha, tive a presença dela em todas as minhas primeiras conquistas e como mãe me emocionei ao ver seus primeiros passos na terra. Como filha ja voei longe e como mãe quero vê-lo voar, e quando ele voltar estarei assim como minha mãe doida para poder agarrá-lo e sentí-lo meu.


Como mãe e como filha já falhei muitas vezes. Já fiz manha porque queria aquela nova boneca mesmo tendo várias, já cheguei até levantar a mão a ela, já fui ingrata por que não tive a permissão de sair à noite com minha melhor amiga. Já menti, já corri riscos, já xinguei e fiquei com raiva. Como mãe já deixei de escutá-lo, já ignorei seus sentimentos, o tratei sem respeito, e expus suas fraquezas. Sou humana. E já me arrependi. Como filha aprendi valores com ela, mas é sendo mãe que mais aprendo. Nasci filha e há 11 anos venho aprendendo o que é ser mãe.


Com todas as tentativas de fugas, dos erros, das doenças e loucuras, o amor foi que me fez ter forças para continuar. De uma coisa todas as mães podem se orgulhar: o amor materno é único, desmesurado, transbordante, progride, se expande sem ter fim. E um dia quando menos esperar, os filhos chegarão para te lembrar das consultas médicas, para pintar seus cabelos, te dedicar o primeiro livro e até darem a bronca porque esqueceu de pagar a conta de luz, vão reconhecer que os pés da jovem mulher envelheceram, que os ossos podem se quebrar, a memória começa a falhar e a estrutura forte de um pilar na sua vida de filho se curvará, e assim será ela a sua criança a pedir teu colo!


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